domingo, 17 de janeiro de 2016

E O "EU" COM ISSO? (OS PROBLEMAS E A PAZ. E O MESTRE.)

Os mestres reais não cultivam o ego (seja o seu próprio ou, mesmo que indiretamente, o ego de seus discípulos). Antes, os mestres reais são, como diz Sri Shibendu Lahiri, processos, e não personalidades.
Os mestres (quer você os veja fora ou dentro de você mesmo) assemelham-se, muitas vezes, a desmancha-prazeres, porque sempre nos sugerem ir além, aprofundar. 

A esse propósito, compartilho uma pequena história que já tinha ouvido do Prof. Osnir Cugenotta, e que ele voltou a contar no Satsanga do dia 20/12/2015 (na imagem):


Havia um homem que estava muito perturbado, com muitos problemas. Decidiu, então, ir conversar com um mestre de quem tinha ouvido falar, que residia na redondeza.

E o mestre perguntou-lhe, então, como ele sabia que estava com tantos problemas, e se ele se conseguia ver os próprios problemas. 

E ele respondeu que sim, que os problemas eram reais, presentes, e que ele os via claramente.

Olho - M. C. Escher
Diante dessa resposta, o mestre disse-lhe que, se ele conseguia olhar para os problemas, era porque os problemas não faziam parte dele, mas ele e os problemas eram coisas distintas. 
Desta forma, não precisava estar tão perturbado por coisas que não eram ele.

O homem foi embora e, passado algum tempo, voltou muito feliz à cabana do mestre, e disse a ele que nem sabia como agradecer, pois havia chegado ali perturbado por muitos problemas, e agora estava em paz.

O mestre perguntou-lhe então como ele sabia que estava em paz, e se ele conseguia ver a paz...

Imagem de Josh Sommers (Aprofundando...)
Ai, mestre... 
Mestre é um cara (ou um processo) que não dá sossego.

domingo, 9 de agosto de 2015

GANESHA E KARTIKEYA (CADA UM VENCE A SEU MODO)

Shiva, Parvati, Ganesha e Kartikeya (Shree Shankar)



Nesta semana que passou fui convidada a dar uma aula especial para o Dia dos Pais. Então lembrei da história de uma competição entre os filhos de Shiva e Parvati, para pensarmos um pouco sobre as diferenças, as singularidades de cada um, e sobre a importância que o apoio e o encorajamento dos pais tem para o pleno desenvolvimento do que cada um é.






(As imagens ilustrativas que seguem são da ACK - Amar Chitra Katra Animated Series)  

Shiva e Parvati tinham dois filhos: Ganesha e Kartikeya. 

Ganesha tinha uma cabeça de elefante. Entre outras coisas, suas orelhas grandes e sua boca pequena mostravam que a sabedoria está em escutar mais do que em falar. Tinha também uma barriga grande. Gostava de comer mas, mais do que tudo, essa barriga mostrava a capacidade de digerir, não só seus doces favoritos, mas tudo o que lhe acontecia. 
Já Kartikeya era talhado para ser um guerreiro. Atlético e cheio de habilidades físicas.

Como Kartikeya achava que as habilidades que tinha eram melhores do que as habilidades que o irmão tinha, vivia atormentando Ganesha. 


Mas Shiva - claro! - sabia que cada um tinha seu valor.


Passou então por ali o sábio Narada, e ele estava sintonizado com a preocupação de Shiva, que via os irmãos sempre em atrito. 
E Narada disse que tinha um desafio a propor a ambos: quem desse a volta ao mundo e voltasse primeiro, ganharia a manga maravilhosa que ele tinha.

(É interessante lembrar aqui que, às vezes, é dito que o que o sábio Narada ofereceu foi o fruto do conhecimento. De toda forma, vale lembrar também que o sábio Yogananda disse, em sua "Autobiografia de um Yogue", que o indiano não consegue conceber o paraíso sem mangas...)

E Ganesha, claro, desejava tocar e comer a linda fruta, enquanto Kartikeya pensava, primeiro, em ganhar o prêmio e em ser o vencedor. 

O fato é que Kartikeya tem como veículo um pavão. E já saiu voando e contando vantagem.
E Ganesha, que tem como veículo um rato, permaneceu tranquilo em seu lugar.
Kartikeya passava por todos os caminhos, e enfrentava o que aparecia, sempre com seu espírito bastante competitivo.
E Ganesha.........

Bem, o sábio Narada começou a ficar perturbado, e perguntou a Ganesha se ele tinha entendido a competição, pois ele, Shiva e Parvati já viam Kartikeya começando a retornar, no céu.

Ganesha então caminhou até Shiva e Parvati, cumprimentou-os e deu uma volta ao redor deles.  E, ao terminar, disse-lhes que eles eram o seu mundo. E que, tendo dado uma volta ao redor deles, tinha dado uma volta ao redor do mundo.


Narada, Shiva e Parvati renderam-se à percepção de Ganesha. Os pais podem realmente ser considerados, em algumas fases, o mundo da criança. Além disso, Ganesha sabia que os seus pais eram um casal divino e, portanto, representavam todo o mundo manifesto.

Mas, Kartikeya, que estava de volta, não concordou com isso. Estava muito despeitado por Narada ter dado a manga para o irmão e dizia apenas que não era justo. 
Ganesha, muito sabiamente, lembrou a ele que uma competição de corrida entre os dois - um de compleição atlética e que montava um pavão, e o outro de compleição contemplativa e que montava um rato -, tampouco poderia ser considerada justa. E queria dividir a manga com o irmão, pois ambos haviam dado a volta ao mundo e retornado, cada um a seu ponto de partida.
Kartikeya, no entanto, continuava inflexível...


Foi Shiva, o pai, quem resolveu a questão, e fez com que ele visse que ambos eram vencedores, cada um a seu modo: Ganesha, com sua percepção e sabedoria, e ele, Kartikeya, que tinha vocação para tornar-se um homem de ação, com sua velocidade e sua força. Caberia, a cada um deles, reconhecer o talento do outro e saber cooperar, quando fosse o caso.

E, para encerrar a história, quero lembrar que a visão de Ganesha, muito longe de ser uma trapaça (como Kartikeya chegou a alegar) é tão válida e verdadeira que ainda é cantada pelos poetas.
Segue trecho da música "O Amor", cantada pela Gal Costa, com letra a partir de um poema de Vladimir Maiakovski (1893-1930): 

"Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme

E o pai
Seja pelo menos
O Universo
E a mãe
Seja no mínimo
A Terra
A Terra
A Terra"

domingo, 26 de julho de 2015

FÁCIL, EXTREMAMENTE FÁCIL

Ouvi uma vez um conto sobre dois amigos que quiseram fazer algo para ganhar um dinheiro fácil. 

Como, na época, não tinham nenhuma grande grande habilidade, estrutura ou produção, decidiram-se por algo simples: um deles ficaria em Sukhásana (posição sentada, muitas vezes traduzida como posição 'fácil') e o outro abordaria os passantes, falando a eles sobre uma porção de coisas, apresentando o amigo como um renunciante, candidato à iluminação, santo, etc, etc, etc, e pediria dinheiro, alegando todo o tipo de coisas em que a doação poderia ajudar.


A partir de foto da pag my.yoga-vidya.org 
Assim fizeram. O que permanecia sentado em Sukhásana usava um cinto, que passava pelo meio das costas e pelos joelhos, para tornar a posição mais estável e confortável. Assim, quanto mais as pernas relaxavam, mais eretas suas costas ficavam. E, enquanto isso, o outro se esmerava em sua conversa mole... 
(É sabido que muita gente tem problemas para realizar Padmásana, também chamada postura de lótus. Esta postura sentada, com o cinto, possibilita que alguém mantenha as costas eretas com permanência. )

Antes do fim do dia, o falastrão chamou o amigo e disse-lhe que já podia se levantar, que podiam ir embora e gastar o dinheiro que tinham ganhado, pois já era bastante.
Este, no entanto, respondeu que podia ir sozinho gastar o dinheiro, pois ele, que tinha permanecido em Sukhásana, já tinha encontrado o que procurava.


Ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí...
Acho interessante lembrar que 'Sukha', que é traduzido como fácil, tem também um sentido de felicidade, como se fosse o que transcorre bem, com facilidade. Assim, se opõe a 'Dukha', traduzido como sofrimento. 
Há um mantra que apresenta Shiva como aquele que "traz felicidade e destrói o sofrimento" (Sukhakara Dukhahara).

E, em "Os Yoga Sutras de Patañjali", no capítulo 2, que trata da prática (Sadhana), é dito:

"46. Firme e confortável é o assento [Asana]." (sthirasukham asanam)
("Os Yoga Sutras de Patañajali", tradução de Carlos Eduardo Gonzales Barbosa. Ed. Mantra. 1ª edição 2015.)

Legal perceber que a facilidade vem junto com a firmeza. Firme e confortável. (Forte e tranquilo?)

Para encerrar a história, há maneiras mais complexas de ganhar um troco, como estas fotografadas por meu aluno Sílvio em Milão: 
Mais alguns comentários:

- acho interessante ter ouvido uma vez que o mestre Iyengar teria dito que há 3 posturas difíceis: Tadásana, Sukhásana e Savásana (posturas, respectivamente, em pé, sentada e deitada). 
Curiosamente, posturas que parecem ridiculamente fáceis aos olhos de quem vê.

- e, paradoxalmente......... as coisas podem ser mais complexas - mas também bem mais fáceis! - do que possam parecer.

domingo, 7 de junho de 2015

O MANTRA MAIS VENERADO DO MUNDO


Gayatri Mantra 108 vezes. (artpartner.org)






"dos versos, sou o Gáyatri" 

Krishna, no Bhagavad Gita (tradução de Rogério  Duarte. Capítulo 10 - A opulência do absoluto)

Sun (simonvinkenoog.nl)







Havia um yogin extremamente preguiçoso, que não queria ter o trabalho de ler os Vedas (livros do Hinduísmo que trazem o conhecimento). Este yogin fez inúmeros pujas (oferendas) a Indra, pedindo ao deus que pudesse obter o conhecimento dos Vedas, sem precisar lê-los. E Indra sempre aparecia e dizia a ele que isso era impossível. 

Um dia, o yogin caminhava pela praia, quando viu um velho jogando pedras no mar. Curioso, perguntou-lhe porque fazia aquilo.
E o velho disse a ele que o mar era mau, que pessoas morriam ali, e que por isso queria acabar com ele.

O yogin então riu e disse a ele que desistisse, pois era impossível acabar com o mar.



E o velho: "Ora, mas quem é você, que quer ter a sabedoria dos Vedas sem ter o trabalho de lê-los, para dizer que algo é impossível?" E revelando-se como Indra, disse ao yogin que, ao menos, gostava de sua persistência.

Indra então escreveu o Gayatri (o mantra que é tido como síntese do conhecimento dos Vedas) na areia, e ensinou ao yoguin como vocalizá-lo.  


(na minha sala de prática)
Gayatri, no site shanti-phula.net




















Gosto dessa tradução do Gayatri passada pelo Prof. Carlos Eduardo Gonzales Barbosa em uma aula: "Possa o fulgor desejável de Savitá impulsionar os nossos pensamentos."

Agota Sjostrom, Singularity #2
E, da aula de mantra em um curso do Prof. Osnir Cugenotta, guardo a lembrança de que o Gayatri é a "representação do Sol Espiritual ou Luz da Consciência", pois Savitá não é o Sol, mas sua essência, a energia que o sustenta. 

E, como o Sol está sempre associado à consciência, sustenta também a nossa consciência. A luz da consciência, que está presente esteja ou não visível, esteja ou não o Sol visível no céu.


Max Ernst, Silence Through the Ages 
(em flickr.com/photos/lilfishstudios)




É dito que com sua vocalização correta pode-se sentir como se ondas concêntricas partissem do coração, limpando e tirando a opacidade dos invólucros da consciência, permitindo a ela brilhar. 


OM!





quinta-feira, 4 de junho de 2015

HISTÓRIAS PARA YOGA (TAMBÉM PARA ADULTOS OU ASPIRANTES)

Quero apresentar meu novo blog: HISTÓRIAS PARA YOGA (TAMBÉM PARA ADULTOS OU ASPIRANTES). 
Imagem que ilustra o blog, realizada na instalação "A Origem da Obra de Arte", de Marilá Dardot, no Instituto Inhotim.

Quando pensamos em 'contação' de histórias, muitas vezes as crianças vêm à mente em primeiro lugar, por serem uma espécie de momento por excelência da formação e da educação. E as histórias servem a esses propósitos de maneira maravilhosa. (Conhecemos, entre nós, o trabalho tão legal de "Yoga com Histórias", desenvolvido com crianças há tantos anos pelos professores João Soares e Rosa Muniz.)
Banca em Rishikesh.
Sempre ouvi que as histórias, os mitos, tinham na Índia um papel ainda bem vivo, como educação e orientação, não só para as crianças, mas também para os crescidos. E pareceu-me, nas duas vezes em que estive por lá, que realmente isso faz diferença, e é bastante visível na vida das pessoas bem simples.
E lembro aqui do Prof. Carlos Eduardo Gonzales Barbosa dizendo algo como 'o mito é a parte da história que merece ser lembrada'.
Mahabharata para crianças ("Tell Me About MAHABHARATA") e Ramayana em quadrinhos.

Bem, não sou uma catedrática. Apenas alguém que encontrou no Yoga o caminho mais efetivo para...... Bem, para............ É difícil dizer. Acho que para o que mais importa. 

E por isso o Yoga é para mim "A" prática, e também escolhi ensiná-lo. E compartilhar, sempre que possível, além das impressões e coisas que surgem neste caminho, histórias. Sem preciosismos. Simplesmente compartilhando as histórias que leio, e que ouço daqueles que sabem mais do que eu.


Ah, por que "também para adultos ou aspirantes"? 

Lembro que sempre quis ser adulta, e que não depender de ninguém e poder viver de acordo com o que penso foi, na verdade, o grande sonho de minha infância e adolescência. 
E, apesar de todas as mazelas do mundo adulto, eu continuo apreciando demais isso a que almejava. 
Também não quis filhos e, ao menos por enquanto, não me dedico a ensinar crianças. 

E "aspirantes"? 
Claro que a mente é infantil, e não conseguimos ser tão adultos quanto gostaríamos. 
Então... vamos aprendendo. Com a prática e com as histórias.